Universidades Corporativas

*ADM. Osmar Rezende de Abreu Pastore

Introdução

Antes de iniciarmos a discussão do nosso tema em si, vamos buscar a origem para a expressão Universidade Corporativa e, por extensão, para Educação Corporativa que, como veremos, não é nova. Parece que não há muita resistência em que torno da aceitação de que o grande antepassado das UCs são os centros de treinamento. As fábricas alemãs, já no século XIX, estruturavam programas de aprendizagem para trabalhadores recém contratados, dentro de um programa que era patrocinado pelo próprio Estado (LANDES, 1995).

Baldini e Borgonhoni (2008), por sua vez, destacam outro tipo de relação, Universidade-Empresa (U-E), já consolidada no início do século XIX, na mesma Alemanha. Isso fornece fortes indícios de que a Revolução Industrial, em todos os seus desdobramentos, sempre teve forte amparo sobre processos de ensino e pesquisa que ocorreram e continuam ocorrendo no seio das organizações.

Foi a partir da segunda metade do século XX que as empresas norte-americanas começaram a desenvolver programas mais consistentes de Educação Corporativa (EC), principalmente aquelas voltadas para atividades com forte embasamento tecnológico e com grandes investimentos em P&D.

As necessidades crescentes de investimento em treinamento e inovação logo levaram à ideia de se criar centros específicos de treinamento que acabaram concentrandogeograficamente suas instalações que passaram a ser designadas por Faculdades ou Universidades Corporativas.

Qual a utilidade das UCs?

Uma das respostas mais fáceis e rápidas para essa pergunta está vinculada à complementação das competências e habilidades dos colaboradores das organizações. Mas isso é apenas parte da utilidade das Universidades Corporativas. Há também a questão da preservação e disseminação da Cultura Organizacional.

Eboli (2005) ressalta que a Educação Corporativa, ao fazer parte do cotidiano das organizações, compõe papel crucial das lideranças empresariais. Dessa forma, é de se esperar que, por meio das UCs, se comunique aos colaboradores não somente como fazer algo, mas também porque, o que implica em preservar valores e dar mais utilidade a todo um investimento já realizado no passado e que se pretenda preservar.

No entanto, as pressões externas sobre as organizações também forçam as UCs a serem o locus onde se deve discutir o que e como mudar a organização, a fim de que ela se mantenha sustentável e aderente ao seu mercado e aos interesses dinâmicos de seus stakeholders. Um desafio que nem sempre encontra um equilíbrio adequado.

O Projeto das UCs

Como toda e qualquer iniciativa tomada dentro de organizações, com ou sem fins lucrativos, mas com objetivos definidos junto a seus públicos alvo, as UCs devem estar focadas nas estratégias definidas pela alta direção, preferencialmente antes mesmo de serem implementadas.

Um levantamento básico das metas organizacionais pode e deve ser o passo inicial e o estágio de retomada de cada ciclo de revisão do planejamento geral do que as UCs devem mirar.

É claro que um conjunto de módulos elementares – considerados como de formação básica – dispensam tal levantamento. Estamos falando de programas de esclarecimento de códigos de conduta, delineamento de princípios básicos de bom relacionamento com clientes, técnicas de negociação, fundamentos de matemática financeira, noções de editores de texto etc. Conhecimentos que são considerados essenciais no dia-a-dia de qualquer organização e situam seus colaboradores dentro da missão que devem ajudar a cumprir.

A partir daí, cada empresa – e até mesmo cada setor dentro da empresa – começa a se diferenciar e demanda um forte levantamento das necessidades percebidas pelas lideranças e identificadas a partir de práticas de benchmarking com empresas do mesmo segmento ou cuja atuação de alguma forma se lhe assemelhe. Esse trabalho é fundamental para que o investimento feito, mesmo que a título de simples custo de oportunidade, não seja desperdiçado, levando líderes e colaboradores e descrerem do que as UCs podem proporcionar.

Também há que se considerar que determinados programas de capacitação, fortemente apoiados em EAD, podem envolver um perfil de colaboradores que só têm disponível como equipamento de acesso ao AVA[1] um celular de geração já ultrapassada, ou um pacote de internet com baixa largura de banda. É claro que, para colaboradores com esse perfil, se pode criar ambientes com equipamentos adequados para o cumprimento dos programas de aprendizagem, mas isso precisa ser previsto e implementado, antes que o projeto seja lançado. E aqui, mais uma questão é necessário ser resolvida: qual a capacidade de atendimento simultâneo de pessoas nesses ambientes, a sua configuração técnica e a sua política de ocupação.

KPIs para UCs

Quando estamos falando de organizações, principalmente daquelas que têm fins lucrativos, precisamos estar preparados para justificar cada centavo investido, em termos do retorno obtido. É aqui que entram em cena os KPIs[2].

Os KPIs podem se dividir em dois grandes grupos: KPIs de desempenho próprio das UCs e de desempenho geral.

No primeiro grupo podemos incluir: o número de treinamentos realizados; o nível de satisfação dos colaboradores quanto à utilidade do treinamento; a despesa global, por hora e por aluno; o percentual de colaboradores que finalizaram os cursos em que se inscreveram; o percentual de aprovação etc.

Destaca-se nesse grupo, ainda, o percentual de colaboradores que, terminado o treinamento, se manteve na organização por um período mínimo de tempo. Esse indicador dá a medida em que é percebida a valorização do colaborador pela própria organização, uma vez terminado o processo de capacitação. Se esse valor for baixo, a organização apresenta fortes indícios de ser incapaz de reter os talentos que forma.

No segundo grupo de indicadores, temos uma variedade maior de medidas, que vão desde o aumento da lucratividade, redução de custos, aumento da produtividade etc.; até o nível de satisfação com o ambiente de trabalho.

A adequada escolha dos indicadores e da quantidade ideal de indicadores a serem monitorados também é um dos fatores a serem considerados na implantação das UCs.

Considerações Finais

Ao longo do texto se procurou atribuir um significado semântico ao termo Universidade Corporativa, intimamente associado a Educação Corporativa. Discorreu-se brevemente sobre a sua filogênese[3] e, a partir daí, destacou-se sua importância e considerações gerais sobre as melhores formas de sua implantação no seio das organizações e a avaliação de seu desempenho.

O tema é recorrente na agenda dos BRICS (CHEN e XU, 2022; GRIGORIEVNA, ALEKSEEVNA, et al., 2021), uma vez que há uma necessidade crescente de que esse bloco de países se mantenha atento à competitividade mundial, principalmente, quando se percebe uma forte movimentação na direção da desglobalização das grandes potências (RIBEIRO e PEREIRA, 2021). Essa preocupação se apoia no posicionamento das grandes organizações, mas não exclui aquelas que, de qualquer porte e em qualquer área de atuação, se preocupam com sua sustentabilidade, frente a pressões de mercado cada vez maiores, quer pelas instabilidades econômicas de qualquer ordem, quer pelas fortes medidas protecionistas que estão por se erguer em todas as direções.

As UCs se tornam, dessa forma, parte importante da estratégia de qualquer tipo de organização que tenha planos de se preservar no mercado, aproveitar oportunidades e formar equipes capacitadas, comprometidas e atentas às profundas mudanças que estão em andamento, ou ainda nem começaram. Mas isto já é tema para um outro texto.


[1] Ambiente virtual de aprendizagem.

[2] Key performance indicators, ou indicadores chave de desempenho, são medidas objetivasdo nível de desempenho e sucesso de uma organização ou de um determinado processo, focando na evidenciação de quanto o desempenho da organização ou do processo variou, a partir de uma determinada iniciativa de gestão. Frequentemente, medem o quanto se avançou em relação a metas projetadas de produção, faturamento, redução de desperdício etc.

[3] Termo tomado emprestado à biologia e que diz respeito à evolução e adaptação das espécies.

Referências

ALMEIDA-FILHO, N. A universidade brasileira num contexto globalizado de mercantilização do ensino superior. Revista Lusófona de Educação, v. 32, n. 32, 2016.

BALDINI, J. P.; BORGONHONI, P. A relação universidade-empresa no Brasil: surgimento e tipologias. Caderno de Administração, v. 15, n. 2, p. 29-38, 2008.

CASTRO, C. D. M.; EBOLI, M. Universidade Corporativa: gênese e questões críticas rumo à maturidade. Revista de Administração de Empresas, v. 53, n. 4, p. 408-414, julho-agosto 2013.

CHEN, Y.; XU, Y. Influencing factors of knowledge enhancement of corporate universities in China. Kybernetes, v. 51, março 2022. Disponivel em: <https://www.emerald.com/insight/content/doi/10.1108/K-03-2021-0218/full/html>. Acesso em: 25 Junho 2022.

EBOLI, M. O papel das lideranças no êxito de um sistema de educação corporativa. Revista de Administração de Empresas, v. 45, n. 4, p. 118-122, 2005. Disponivel em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rae/article/viewFile/37316/36079>. Acesso em: 24 junho 2022.

GRIGORIEVNA, B. T. et al. Development of a corporate university institution: strategic initiatives. Linguistics and Culture Review, v. 5, n. S1, 2021. Disponivel em: <https://doi.org/10.21744/lingcure.v5nS1.1439>. Acesso em: 25 Junho 2022.

IBGE. Taxa de desocupação, jan-fev-mar 2012 – fev-mar-abr 2022. IBGE, 2022. Disponivel em: <https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/trabalho/9173-pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-trimestral.html?=&t=series-historicas&utm_source=landing&utm_medium=explica&utm_campaign=desemprego>. Acesso em: 24 junho 2022.

LANDES, D. Prometeu Desacorrentado: transformação teconológica e desenvolvimento industrial desde 1750 até nosa época. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.

LAVAL, C. A Escola Não É Uma Empresa: o neo-liberalismo em ataque ao ensino público. Londrina: Planta, 2004.

PEREIRA, M. A. D. C.; ROSA, L. D. F. G.; FELICETTI, V. L. Evasão do curso de pós-graduação em gestão de negócios de Universidade corporativa: percepções do estudante/empregado. Educação: Teoria e Prática, Rio Claro, v. 31, n. 64, 2021. Disponivel em: <https://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/educacao/article/view/13813>. Acesso em: 24 junho 2022.

QUATIERO, E. M.; BIANCHETTI, L. Educação corporativa: mundo do trabalho e do conhecimento: aproximações. São Paulo: Edunisc, 2005.

RIBEIRO, M. C. D. P.; PEREIRA, R. S. D. C. Uma análise da relação entre globalização, desglobalização e política a partir da história políticoeconômica do Brasil. Repositório Científico do Instituto Politécnico do Porto, Porto, Novembro 2021. Disponivel em: <https://recipp.ipp.pt/handle/10400.22/19609>. Acesso em: 25 Junho 2022.


* ADM. Osmar Rezende de Abreu Pastore – O autor é bacharel em Engenharia Civil, Administração de Empresas e está em processo de conclusão de formação acadêmica em Psicanálise. Com atuação em planejamento estratégico, educação corporativa, gestão de processos de mudanças e reestruturação organizacional, atua também como professor na academia e em entidades sindicais e do terceiro setor (http://lattes.cnpq.br/0005276744458116).


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